Vanguarda
A palavra “moderno” é uma evolução fonética do latim
hodiernus, adjetivo formado de hodie (hoje), qualificando o que é atual, com
relação à pessoa que fala. Evidentemente, o que era moderno no ano passado, já
não o é agora. Na história da nossa cultura, podemos encontrar vários momentos
rotulados como modernismo: 1) chamamos de línguas modernas (português,
italiano, francês etc.), os idiomas que surgiram a partir do séc. XI d.C, em
oposição às línguas antigas (grego e latim); 2) no Brasil, deu-se o nome de Modernismo
à adaptação das correntes da Vanguarda Européia, revolução cultural consagrada
pela famosa “Semana de Arte Moderna”, evento de 11 a 18 de fevereiro de 1922,
no Teatro Municipal de São Paulo; 3) usa-se o termo moderno para indicar o
tempo atual, como sinônimo de contemporaneidade. A meu ver, as denominações
“pré” ou “pós” moderno são semanticamente incorretas, pois a primeira se refere
ao passado e a segunda ao futuro. O termo modernidade deveria ser entendido
apenas como sinônimo de atualidade.
A partir do início do séc. XX, antes e durante as duas
Guerras Mundiais, surgiram na Europa vários movimentos de renovação literária e
artística. Embora diferentes nos vários países, quanto aos modos de
manifestação, eles comungavam o mesmo espírito de “antipassadismo”. Apregoavam
a ruptura contra toda a cultura do passado, especialmente as tradições
acadêmicas de poetas e artistas românticos ou parnasianos. O nome genérico de
vanguarda é de origem francesa: avant-gard, antônimo de retaguarda, significa
avançar, lutar na frente. Vou falar, de leve, sobre alguns movimentos da
vanguarda européia que influenciaram nosso modo de sentir e de pensar.
Futurismo
Em 1909 saiu publicado no jornal Le Figaro de Paris o
“Manifesto Futurista”, de autoria do poeta italiano Marinetti, que deu origem
aos vários movimentos literários e artísticos da Vanguarda Européia. A proposta
era fazer tábua rasa do passado, construindo uma arte diferente, capaz de
expressar a nova realidade da era da máquina. O novo espírito devia se manifestar
não apenas na literatura, mas em todas as artes: pintura, escultura,
arquitetura, teatro, música. Portanto, seguindo o exemplo de Marinetti, vários
autores futuristas foram divulgando manifestos respectivos a cada arte,
sugerindo novas normas de composição e princípios ideológicos diferentes.
O movimento futurista teve alguns aspectos positivos como,
por exemplo, a criação da atmosfera de libertação que alimentaria a arte
moderna e contemporânea. A recusa de seguir as normas estéticas de românticos,
parnasianos ou realistas, impostas pelas anquilosadas academias de Ciências,
Letras e Artes, foi, sem dúvida, um avanço civilizacional. Mas o desejo de
destruir por completo a milenar tradição cultural era um absurdo, pois nada se
constrói a partir do nada. O Futurismo tinha a pretensão de acabar não apenas
com o Humanismo (a cultura baseada na tradição filosófica e literária), mas
também com o humanitarismo (o sentimento da piedade). Este pensamento de
Marinetti explica bem sua postura mecanicista:
“O sofrimento de um homem não é para nós mais interessantede
que o sofrimento de uma lâmpada atingida pelo curto-circuito”.
Expressionismo
A explosão da estética expressionista começou na Alemanha,
contemporaneamente ao Futurismo na Itália. Em Berlim, em 1912, a livraria e
galeria de arte Derem Sturm reuniu os trabalhos de alguns pintores chamados
“expressionistas”, porque para eles a arte era expressão do “eu” subjetivo,
operando de dentro para fora, do centro para a periferia, contrariamente ao
“Impressionismo” da época realista, cuja estética estava baseada no movimento
de fora para dentro. Das artes plásticas, especialmente da pintura, a estética
expressionista passou também a ser utilizada pela literatura, cinema, dança,
música, teatro. Em literatura, encontra no lirismo sua manifestação mais
apropriada. As combinações rítmicas, os cortes surpreendentes, o jogo de
imagens ousadas, permitiram a sublimação do patético e a exaltação das paixões.
O processo técnico usado era a extrema liberdade léxica, sintática e semântica.
Os temas mais explorados pelos poetas expressionistas são o sexo, visto por uma
nova ótica moral; a crítica à sociedade, atacando autoritarismo e hipocrisia; a
simpatia para com o mundo dos miseráveis e dos injustiçados. O movimento
expressionista tem em comum com o Futurismo a disposição de demolir a cultura
passada e criar um novo homem; mas dele se difere pelo pacifismo, pelo
sentimento de fraternidade universal e pelo desprezo da civilização
materialista, industrial, mecanizada. Por não aderir ao Nazismo foi por ele
destruído, a partir de 1933, quando Hitler subiu ao poder. No Brasil, o
Expressionismo marcou uma forte influência no teatro de Oswald de Andrade e de
Nélson Rodrigues e na pintura: Portinari (especialmente as cinco telas da série
Emigrantes), Osvaldo Goeldi, Emiliano Di Cavalcanti, Lasar Segall.
Dadaísmo
Um decênio depois, durante a Primeira Guerra Mundial
(1915-1918), surgiu na Suíça outro movimento de Vanguarda, ainda mais radical
do que o Futurismo, chamado Dadaísmo, de “dá-dá”, as primeiras sílabas
pronunciadas por uma criança, que não significam nada. É a ausência de sentido
da vida que poetas e artistas querem expressar face aos horrores da guerra. É a
rebelião da juventude contra os velhos detentores do poder, que usam os progressos
da ciência para matar e destruir. Este sentimento de descrença nos valores
humanos, junto com a vontade de anarquia, é expresso em forma de arte pela
estética do acaso: a pintura automática, a poesia por colagem de recorte de
jornais, a escultura pela mistura de materiais diversos.
Os dadaístas ridicularizavam os valores tradicionais e
convidavam os visitantes de exposições a destruírem seus próprios quadros e
outros objetos de arte, pois achavam que nada podia ter um valor eterno. Para
demonstrar seu repúdio da concepção de vida burguesa, eles davam risadas
durante os funerais e choravam nas cerimônias de casamento. O Dadaísmo
representa a forma artística do niilismo filosófico, já presente no pessimismo
de Schopenhauer.
Surrealismo e Cubismo
André Breton (1896-1966), filósofo, poeta, médico, soldado
francês, saiu do movimento dadaísta quando percebeu que a postura niilista não
levava a nada. Apaixonado pela psicanálise de Freud, achou que a crise
existencial pudesse ser superada pelo encontro do meio termo entre o lado
político ou real do ser humano e sua parte inconsciente, onírica. Chamou de
“surrealismo” ao novo movimento por ele idealizado, que tinha como propósito
anular as barreiras entre o sonho e a realidade. Para tanto, lançou mão do
método do automatismo psíquico pelo qual o pensamento se liberta do controle
exercido pela razão e por qualquer outro condicionamento de ordem religiosa,
estética, ética ou social. Daí a exaltação do maravilhoso que se encontra no
mundo do sonho e da fantasia ou nos estados psíquicos paranormais. A finalidade
era fazer sair o surreal (a parte mais recôndita da alma) fora do seu
esconderijo.
É bom salientar que a proposta surrealista da superação dos
limites da razão e da consciência humana é uma característica geral da cultura
moderna e contemporânea, podendo ser encontrada na ciência, na filosofia e na
arte. Está na geometria não euclidiana, na física quântica, na teoria da
relatividade de Einstein, no intuicionismo de Bergson, na descoberta freudiana
das forças do inconsciente. Está também no teatro de Antonin Artaud, no cinema
de Buñuel e de Rossellini, na poesia de Paul Éluard e Apollinaire, na crítica
de Gaston Bachelard, na pintura de De Chirico, de Salvador Dali. Está
especialmente nas telas de Pablo Picasso, o maior artista do século passado, o
pai de outro movimento da vanguarda, o Cubismo.
Esta nova técnica pictórica reproduz plasticamente a idéia
de que a realidade não deve ser vista a partir de um único ângulo. A estética
cubista faz ver “simultaneamente” aquilo que a visão normal só apresenta
sucessivamente. Enquanto a pintura tradicional está centrada no impressionismo,
procurando apreender a realidade “tal qual a vemos”, na sua aparência, através
da nossa percepção limitada dos objetos, o Cubismo tenta apresentar a realidade
“tal como ela é” na sua essência, em suas múltiplas facetas. Passo, agora, a
falar um pouco a respeito de mais algumas personalidades que deixaram marcas
profundas na cultura do século passado: Einstein, Kafka, Fernando Pessoa.
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